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  • Rafael Velloso (publicado na revista Sax & Metais

A improvisação através da superposição de acordes


Na Idade Média, a improvisação tinha um alto prestígio e era associada à liberdade e à imprevisibilidade, enquanto que a composição era associada à disciplina e à previsibilidade. Porém, esta associação, com o tempo, passou a figurar como um contraste à idéia de precisão e planejamento. Em sua definição mais acadêmica, fornecida pelo Dicionário Groove de Música, por exemplo, a improvisação é definida como "a arte de executar a música espontaneamente, sem a ajuda de manuscritos, rascunho ou memória". Esta definição demonstra, em parte, como a improvisação ainda é associada a uma prática pouco estudada e preparada. Sim, é verdade que a improvisação em si não deve ser limitada a suporte físico como o papel, mas o conhecimento sobre a música e as técnicas de improviso deve ser praticado e estudado, de forma a nos fornecer sempre mais recursos a fim de exercer plenamente a liberdade de criação.

Particularmente no que se refere aos instrumentistas de sopro, podemos perceber a sua desvantagem em relação aos instrumentos de harmonia, por não trabalharem diretamente com os encadeamentos harmônico e por isto desconhecer sua estrutura e seus caminhos. Para tentar diminuir essa desvantagem, o instrumentista de sopro deve sempre estudar as harmonias, não só as partes melódicas, procurando também tocá-las, de preferência em um instrumento harmônico, para que essa compreensão se torne também vivenciada.

Outra forma de estar sempre conectado com a harmonia da música é arpejar os acordes, de forma a conhecer o seu caminho harmônico básico. Para isto é fundamental ter todos os arpejos de tétrades, “em baixo do dedo”, maiores, menores, diminutos, dominantes, e conhecer todas as suas tensões principais e notas evitadas.

Após esse estudo inicial, podemos seguir para o próximo passo, que é experimentar a superposição de acordes, que nos dará as tensões da harmonia, criando assim novas cores e sonoridades, diferentes do som estrutural do arpejo. Essas opções, porém, devem estar sempre de acordo com a função do acorde, respeitando sua escala e evitando as conhecidas 'notas evitadas'. Desta forma somente algumas combinações de acordes serão possíveis. (Figura 1)

Apresentamos então a melodia e harmonia da música Choro da Marcele, composição de Juarez Araújo, gravada por este grande saxofonista em meu CD Sax Chorando, sendo este seu último registro em vida.

A harmonia da música, bem jazzística, pode ser lida por diferentes caminhos. Assim optamos por certas tríades especificas que destaquem mais ou menos suas tensões. No quadro 1 demonstramos algumas opções de superposição de arpejos para os acordes da música, sendo este um dos caminhos possíveis.

O compositor utiliza, além dos arpejos, escalas de acordes, criando assim uma rica teia de efeitos melódicos em seu improviso. Desta forma, outras combinações, como escalas e frases rítmicas que se assemelham à melodia, são muito desejáveis a fim de conferir diferentes efeitos a cada trecho do improviso. Como podemos observar, uma improvisação envolve a realização de uma ou mais partes musicais, constituídas por um modelo, uma melodia, uma célula rítmica e uma progressão harmônica, a qual, tocada ou não, é conhecida pelo improvisador. Por isso, citações ao tema ou ao modelo, de forma reconhecível, são bem desejáveis, criando assim alguns pontos de referência.

Espero que este breve artigo possa ter produzido alguma reflexão tanto em relação à forma como pensamos a improvisação, quanto à pesquisa de técnicas alternativas à estruturação de caminhos harmônicos. O objetivo é sempre o mesmo: fornecer ferramentas necessárias não somente para demonstrar uma habilidade musical adquirida, mas também para exercitar a liberdade de criação.

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